Entrevistamos a professora da Escola de Serviço Social da UFF, Eblin Farage, que atualmente é secretária-geral do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (ANDES-SN). O tema da nossa entrevista foi o programa Future-se lançado pelo governo federal. Eblin passou a visão do movimento docente das universidades sobre as consequência da implantação do projeto de privatização das universidades federais defendido pelo governo Bolsonaro.
Quais são as bases principais do projeto Future-se?
Eblin Farage - A base do projeto é uma profunda reestruturação da Universidade Pública Brasileira, que passa por uma nova forma de gestão institucional via OSs [Organizações Sociais], por uma nova forma de gestão de pessoal, que impulsionará o professor "empreendedor", e no caso dos técnico-administrativos a contratação por OSs, a partir de uma nova lógica de produção do conhecimento pautada nos interesses da iniciativa privada e dependente das parcerias público-privadas. Esses eixos apontam para a desresponsabilização do Estado e a privatização da Universidade e Institutos Federais.
Qual o principal objetivo do governo na implantação do projeto?
Eblin - Regulamentar várias mudanças realizadas por governos anteriores que, por conta da resistência dos movimentos organizados, não foram implementadas 100% em seu cunho privatista. Começando pela Constituição Federal de 1988 quando conseguimos barrar o financiamento privado como fonte de recursos para a educação superior. O governo quer alterar a LDB [Lei de Diretrizes de Bases] de 1996, quando conseguimos limitar a perspectiva mercadológica e o ensino à distância, alterar o Novo Marco de Ciência Tecnologia e Inovação de 2016, que não regulamentou a forma de cessão dos espaços públicos e servidores públicos à iniciativa privada, e a ampliação da EBSERH, agora cumprindo um dos principais objetivos que é ofertar os melhores médicos e procedimentos de ponta na área da saúde, majoritariamente desenvolvidos nos hospitais universitários, para os planos de saúde, a baixíssimo custo, entre outros. Ou seja, levar as últimas consequências o projeto de contrarreforma da educação a favor do capital, ou seja, a sua efetiva transformação em mercadoria também no espaço público.
Como estão reagindo os docentes frente à afirmação do secretário do MEC dizendo que “o professor universitário poderá ser muito rico”, já que poderá entrar como sócio ou coautor de start-ups, recebendo dinheiro de patentes e projetos de pesquisas.
Eblin - infelizmente essa proposta de "professor empreendedor" vai agradar a uma parte de nossa categoria, em especial aquela que hoje já faz da Universidade Pública um balcão de negócios através das parcerias público-privadas e venda de serviços. Mas também está desagradando a parte dos professores que acreditam que a Universidade Pública é um patrimônio da sociedade, que deve ser para todos, que deve ser universal, pública, gratuita, laica e, acima de tudo, que deve produzir conhecimento para o desenvolvimento da sociedade, para a emancipação da nação e não para sua subalternização aos interesses do mercado. Essa parcela dos professores não optou por essa profissão para serem empreendedores e ricos, mas sim para produzirem, com autonomia e liberdade, conhecimentos, para ensinar e apreender em sala de aula, nas pesquisas e na extensão. A parte insatisfeita irá lutar, com todas as forças, para defender a Universidade Pública e esperamos que isso seja feito em conjunto com técnico-administrativos e alunos com o apoio de toda a sociedade.
De que forma o Future-se atingirá os estudantes universitários?
Eblin - Os estudantes serão atingidos de forma direta, em vários aspectos, mas destaco a diminuição do investimento estatal na assistência estudantil e a intensificação das diferenças de condições ofertadas entre os diferentes cursos. Alguns com estrutura e outros apenas com salas de aula mal equipadas. Destaco ainda a subordinação da produção do conhecimento aos interesses do mercado. Se o interesse de pesquisa do estudante não conseguir "investidor", essa não será realizada. Ressalto também o empobrecimento do sentido pleno da Universidade, que não será mais pautada pelo tripé ensino-pesquisa-extensão, que será mais empobrecida pela padronização das atividades extraclasse, já que a diversidade não é algo que interessa ao mercado. Teremos uma Universidade que novamente buscará a invisibilidade de negras e negros, indígenas, quilombolas, comunidades ribeirinhas e pessoas com deficiência e que tentará, novamente, contar a história dos colonizadores, dos brancos, dos homens e heterossexuais. Ou seja, os estudantes tem tudo a perder, em especial o conhecimento e a liberdade de pensar.
Quais medidas estão sendo encaminhadas para enfrentar o projeto?
Eblin - Estamos no momento da construção de unidades para fazer a luta. Nós do ANDES-SN estamos investindo tudo na greve de 13 de agosto e avaliamos que ações mais contundentes devem ser construídas entre docentes, técnicos e estudantes. Nossa luta tem que ser na rua, mostrar à população o que podemos perder, mostrar que a Universidade Pública é um patrimônio e deve ser defendida por todos.
Como o projeto pode afetar a rotina de trabalho na universidade? Há similaridades com a EBSERH?
Eblin - Se esse projeto for para frente, a Universidade que conhecemos hoje, e que já é insuficiente para o projeto de educação pública pelo qual lutamos, será extinta. A Universidade será totalmente transformada, e de fato, será um espaço para uma pequena elite que prega o pensamento único, o atendimento às demandas das empresas e a negação dos pobres, das minorias e da diversidade.